Título: Seis Dias em Ouricuri
Gênero: Documentário
Lançamento: 1976
Pais: Brasil
Duração: 64 min
Direção: Eduardo Coutinho
Fotógrafo: Edson Santos
Narrador: Cid Moreira
Produção: Globo Repórter
DVD - P&B
INFO:
A/V: Boa. Matriz: Tv Brasil. Extra: Contém comentários de críticos sobre o filme e o diretor.
Depoimento do diretor Eduardo Coutinho, extraído da internet:
"O primeiro documentário que eu fiz no Globo Repórter foi sobre uma seca no Nordeste, Seis dias em Ouricuri; o Armando Nogueira mandou cortar para dez minutos. O Globo Repórter ia ter naquele dia três filmezinhos de dez minutos; eu fiquei louco. Daí insistiram para que ele fosse lá ver, porque não dava para cortar para dez minutos. Ele foi ver, sentou quarenta minutos na moviola. Ele foi lá duas vezes nos seis anos que trabalhei naquela casa, essa foi uma das vezes. Sentou, viu – justiça seja feita, o Armando é jornalista – e disse: “Tem que ir para o ar sem cortar”. Mandou uma garrafa de uísque para a equipe... Foi realmente incrível... Aliás, eu acho que foi aí que realmente vi que só queria fazer documentário, entende? Janeiro de 1976, Ouricuri, Pernambuco, feito em filme reversível, o fotógrafo foi Edson Santos... Agora o genial – e esse é o assunto central aqui – Ouricuri não iria para o ar hoje. O Armando disse que ia para o ar, depois passou pela a censura, não cortaram e foi para o ar. Veja a diferença: nessa altura, nesse filme, nesse caso, a televisão era uma aliada; ela também cortava, mas era uma aliada, inclusive pela coisa prática – tinha um horário a ser preenchido, entende? De 1981 em diante, mudou; deixou de ter o inimigo externo... aí é dentro, entende?
Por que Seis dias em Ouricuri não iria para o ar hoje? É claro, ele envelheceu; muitas coisas desse documentário envelheceram; mas ele tem um plano de três minutos e quinze. Um plano de três minutos e quinze de um cara – que tem uma voz extraordinária, parece um locutor –, um camponês, que conta... Tem quatro raízes na frente dele, ele conta as raízes e diz de cada uma delas o que se pode comer e o que ele comeu, tucunã, batata de mandacaru... três minutos e quinze; ele fica bordando sobre esse tema: “Isso é pra porco; isso é ruim, isso não é tão ruim”. É só isso. Não ia para o ar, hoje não ia para o ar porque – sabe? – ele está tecnicamente, como um professor, dizendo as raízes horríveis que ele come na seca; e todas as raízes têm uma história, a seca de 58, a de 78: “Isso a gente come porque tem precisão de comer, mas nenhum de nós quer comer isso aí”. Três minutos e quinze; não é um plano fixo porque o cara está mostrando raízes desse tamanho, tem pequenas, delicadas diferenças de quadro com a zoom; está certo, o plano muda, mas é um plano de três minutos e quinze, sem cortes. E depois tem mais um plano longo de uns caras que, enfim: comida não tem, aquela fome desgraçada. Um velho - 60, 70 anos - faz um discurso sobre a fome que é absolutamente extraordinário como dor; ele começa a contar e as pessoas consolam com humor, só vendo. É um plano praticamente fixo; fixo; o cara lá, dois minutos, dois minutos e pouco; um plano só. Você consegue isso? Você acha possível que uma televisão aberta ponha um plano de dois ou de três minutos de um cara falando? Não põe! Não põe nem um cara falando num gabinete, imagine um plano em que, além do tempo, um cara fala de fome. O plano é lancinante. O problema é que dura dois, três minutos... Questão estética mesmo...
Mas o que é estética? O que é a fome? É a forma de dizer também, entende? Que é política. Esse é o problema. É isso que me mata, há anos, dizer isso daí. Se você fica só no conteúdo, meu velho... Você pode ter na televisão um programa feito até pela CUT. Mas não é esse o papo. Você pode eventualmente ter uma televisão que admita isso, e diga como ela quer dizer mas dizer como você quer dizer... Sem contar que o repórter como herói pode aparecer mas o repórter-diretor não pode aparecer. Não pode revelar os segredos, entende? Tudo o que revela que o que estamos vendo é uma filmagem é insuportável, é inaceitável. Tem que ter esse padrão de naturalismo. Plano de dois minutos, não pode. Ninguém fala mais de trinta segundos, não é? Está cada vez pior, hoje não tem plano nem de oito segundos, não tem. Plano fixo de oito segundos é inconcebível, não só para o Jornal Nacional, estou falando de reportagem maior; é inconcebível. O institucional é assim também, planos de quatro segundos é muito difícil, de oito é inconcebível..."